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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O poeta




O poeta


Não sou maior que qualquer poema, por menos parágrafos ou linhas que tenha. Sou apenas um condutor, um maquinista que não faz mais que sua obrigação. Na poesia, às vaidades devem ser esquecidas, pois o poeta que cria um belo poema, apenas pelos aplausos e gritos de “bravo!”, não deve ser lido, pois seu poetar não tem serventia.

O poeta deve ficar feliz com o brilho nos olhos de seu leitor e conter sua vaidade de homem, pois poetas não são deuses, são homens que distorcem o real para que mais pessoas possam enxergar as variações de cores; às variações de tons, às infinitas formas de sonhar, sofrer, sorrir, existir, se emocionar. O poeta deve proporcionar uma visão das coisas, criar uma ponte para hemisférios que poucos conseguem perceber.

O verdadeiro poeta se alegra, não com o nascer de seu poema, mas com todas as sensações que uma poesia possa propiciar a quem se aventura a desbrava-la, aquém se aventurar, desnudo, a viajar para dentro dos mistérios de seu coração e não temer perder-se.


Marcos Martins.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Flerte com a vida



Flerte com a vida



Ela me olha de longe, me observa, estuda, flerta.
Tem medo de se aproximar de mim e eu de tentar alcançá-la. Apenas nos olhamos. Há desejo.

Mais uma vez confabulo possíveis formas de felicidade a seu lado e, me pego a imaginar universos paralelos onde não há dor, magoa, incertezas ou esse arcabouço de miséria e mesquinharia humana. 

Ouso me aproximar de forma sutil. Aproximo-me com os lábios trêmulos e as pernas tímidas. Chego bem perto, mas não há toco. Apenas desejos em erupção.

Ouso falar algo, a voz falha, tremem minhas mãos.
Penso em um poema, lembro que não o terminei e mesmo que o tivesse finalizado é triste de mais para iniciar uma conversa amiga.

Ela me olha, um olhar de piedade, me sorri e se vai.  
Eu a desejo, ela não chora mais por mim;
Eu a desejo! Ela se vai sem me deixar sentir.


Marcos Martins.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Vivo com meus Nãos



Vivo com meus Nãos


Toco meu coração; 
Toco meu espírito;
Toco meu corpo sem me olhar no espelho; 
Cansei de meu reflexo.

Sinto às cólicas do mundo
Sinto dores nos ossos, às mesmas dores da época de meu crescer – crescer machuca (é um mal necessário).

Toco meu coração, percebo que já mencionei isto, percebo o quão cíclico é meu existir.

Gostaria de poder chorar por você que devora esses versos;
Gostaria de poder chorar, poder tocar você – mesmo sem te tocar – te tocar – mesmo sem compreender meus caminhos – te tocar.

Sempre convivi com as limitações do "Não", o mesmo que carinhosamente nos é dito por nossas amadas genitoras.

Sempre o Não, sempre um Não a me cercar. Mas quando acho um sim, perdido em livros empoeirados sem o acordo gramatical, mesmo assim, sempre termino nas mãos do Não.


Marcos Martins.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Ó! Poetar que abre almas



Ó! Poetar que abre almas 



A poesia só faz sentido quando nos toca no fundo da alma, sem agredir o espírito;

A poesia só faz sentido quando gera um gozo que deixa tonto quem a experimenta, não importando a posição do corpo, intensidade, força, o tempo, contanto que tenha libido.

Poesia que transforma faz bem; 
Poesia burocrática macula a vida de quem a lê;
Poesia, poetar, poema, poesia.  

No Poetar, não é preciso dar explicações, é como o amor, como o sexo, excitação inexplicável que embriaga todo o corpo, entorpecendo a mais dura alma, te faz querer viver, te faz sentir-se vida, mesmo que seja um poema sem rimas, melancólico, triste ou obscuro, não importa, contanto que as palavras, as frases que se ligam tenham alma. Mesmo que a primeira vista, não faça muito sentido, mas mexa com o âmago de quem o lê.

O poema só se completa, quando suas palavras explodem em sentimentos, faz borbulhar as emoções, cria risos de canto de boca, lágrimas que se escondem nos cantos dos olhos, suspiros, cumplicidade entre o poeta e o leitor.

Poetar é vida, poema é técnica, poesia é sentir-se livre, é como pular da beira do firmamento e sentir que Deus desce de seu trono, feliz em sua eternidade, para vir nos receber com folhas de papiro e uma longa caneta em formato de pena de asa de querubins, para criarmos um soneto, pois os poetas são loucos que fugiram do hospício do céu, rasgando a barriga das nuvens, descendo nus e transformando em epifanias todos os versos que não cabem mais no peito, enchendo de afeto quem está disposto a olhar além das cavernas, além das sombras, além de si mesmo.


Marcos Martins.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Ônus (conto)



Ônus


  
Flashes e mais flashes eternizavam, de uma forma mórbida, a garota deita, seminua, em um matagal afastado do centro. Ela sonhava em ser modelo e agora estava morta.

Sofia tinha 16 anos, mas nunca havia votado em eleições municipais ou nacionais. Não teve tempo. A mãe olhava, sem acreditar em seus olhos, a menina que carregara no ventre um dia ser motivo de curiosidade de populares e alimento para os vermes implacáveis. Três policiais tentavam segurar o pai que estava fora de sua sanidade. Os filhos não deveriam viver menos que os pais.

O destino, ou seja, lá que nome tente dar a atrocidades, inverteu a ordem das coisas. Mas uma vez as pessoas se sentiriam inseguras, comovidas e indignadas, mas o mundo continuaria seguindo sem se importar. A comoção tomou conta de mães, pais e filhos que choraram abraçados com perca daquela família, que até bem pouco tempo atrás não sabiam que existia. Somos solidários na dor.

As investigações tiveram início. Crime passional, por motivo fútil, concluíram. O algoz, o namorado da menina, um jovem de 18 anos que não aceitava o fim da relação. No decorrer das investigações, os jornais televisivos mostraram filmagens do assassino executando a vítima. Tudo aconteceu em frente a um posto de gasolina, em mais uma madrugada manchada por sangue de inocentes. A lua cheia presenciou tudo, mas nada pode fazer.

O rapaz foi preso, mas como não foi pego em flagrante responderia o processo em liberdade. Os pais de Sofia sentiram-se sem chão. Não é fácil perder a fé. Os pais, como forma de repúdio e descrença absoluta nas leis, apelaram para que o Estado deixasse de mão a investigação, até chegaram a pedir desculpas aos policiais que se empenharam na elucidação do crime. Se ao menos a lei não fosse cega, Sofia não teria sido ceifada de seu mundo.

Em carta aberta à mãe desabafou em rede nacional, falou que não acreditava na justiça, que não perdoava o assassino de sua filha, no entanto não queria que fizessem justiça com as próprias mãos, pelo contrário, gostaria que o rapaz permanecesse vivo para que todos os juristas, políticos, homens e mulheres que mandam no país sentissem vergonha do código penal e que, ao cruzarem com o assassino de sua filha, pudessem refletir por um só momento que à violência não escolhe: posição social, etnia, credo, faixa etária ou opção sexual e que os assassinos, e ladrões poderiam até estarem acima da lei, mas que ninguém é imune ao efeito devastador da violência.


Marcos Martins.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

DE VOCÊ QUERO APENAS OS ESPINHOS


DE VOCÊ QUERO APENAS OS ESPINHOS


Fique com as flores que colhi para você. Não, não me importo se as pétalas já estão murchas.

O fogo não queima mais, mas as brasas, essas malditas, ainda consomem vagarosamente meu coração tomando por pus (todo esse corpo que me encarcera).

Fique com tudo, não me devolva absolutamente nada. Não quero os sorrisos bobos, os sabores que experimentamos juntos, as danças, os sonhos compartilhados, as conversas sobre o futuro – como se houvesse um –, nossa musica ou os amigos que conhecemos. Não quero. Não quero nada que já foi tocado por você – todos te imaginam com mãos de Midas...

Fique com as festas de aniversários, os filmes baixados de forma indevida, todos os livros de filosofia que li e não entendi nada. Tudo é teu. Tudo é seu.

Fique onde está.
Fique com os sentimentos entorpecidos; com os beijos sem gosto de saliva; os abraços apertados; o calor dos corpos atrelados, tudo o que um dia me fez lembrar, agora que quero esquecer.
  
Fiques onde estás.
Fique onde não posso tocar – os poemas que angustiam e não afagam me consolam (coxa de retalho que desune).
Fique com as flores que colhi para você; com as pétalas das rosas, pois me sinto mais a vontade entre os espinhos que dentro de você. 


Marcos Martins.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O castelo

 O castelo


Degraus e mais degraus separam solidão e anseios.
Torres que tocam o umbigo do céu, altura, vertigem, meus devaneios.

Donzelas escassas, bruxas entediadas, reis loucos, rainhas que fingem sorrir, cavaleiros com suas espadas enferrujadas.

De que são feitos os castelos, se não de sonhos e ambições em ruínas. Kafka nunca encontrou a porta dos fundos do seu, entrou e perdeu-se em si.


Quero construir um castelo sem fosso, sem monstros para proteger a ponte levadiça. Não consigo. Tenho monstros dentro de mim.

Paredes sujas. Nobres que comem com as mãos. Soldados com olhares distantes e perdidos, traições, assassinatos e magos que não sabem transformar metal em ouro 
– Essas são as verdades ocultas nos castelos. Verdades que os nobres tentam esconder.

Tudo é um jogo. Quem morre; quem pode nascer; quem sobe ao trono; quem pelas mãos do rei deve viver.


Os calabouços estão cheios, o povo geme de fome, com dores de parto enquanto a realeza vai fazendo seus bacanais homéricos, sorrindo incestuosamente, mas com inveja de quem vive fora das muralhas, pois esses são livres, que corações encarcerados nunca poderão tocar.


Marcos Martins.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Poema

"Um dia pulei da ponte Duarte Coelho e vi um mundo vivo de dentro da lama. Voltei para a superfície da cidade cinza e vi um mundo morto de dentro do caos".

Marcos Martins.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Busca

Busca


O que é o pensar das coisas?
O que são as dúvidas?
Como responder as perguntas que ruborizam?
Como ser verbo, se não sou nem adjetivo?
Como fazer a coisa certa de uma perspectiva caleidoscópica?
Como é sentir o amor, sem interesses burocráticos?
De que osso foi feita a natura?
De que costela foi feita a incerteza?

Meus amigos, no auge de minha imaturidade, dizia que todas as preocupações, dúvidas e inseguranças eram balelas.
Meus amigos, no auge de minha maturidade, vos digo, caminhem e só, pois todas as preocupações, dúvidas e inseguranças são balelas. Nada como andar nu na chuva, correr então, isso é que é ser livre das amarras.

No auge de minha tola existência digo “A verdade é que não existem verdades”. A verdade; se insistem descortinar “É que fico dando sentidos novos a velhos poemas”.     

Marcos Martins.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O outro lado do mundo




O outro lado do mundo


O outro lado do mundo fica tão perto, fica tão rápido. É tão seguro  como o estável;
É tão seguro e associável.

O outro lado do mundo fica embaixo. Está tão perto do centro 
– como o trânsito  está tão perto de tudo e é tão rápido.

O outro lado do mundo;
O outro lado do mundo;
O outro lado do mundo, é limpo, é flácido, é egoísmo, é tudo pálido.

O outro lado da curva é mais uma curva desse lado;
O outro lado de tudo é outro lado 
– é o nada;
O outro lado do nada é o que resta do outro lado do mundo, do outro lado. Bem ao teu lado.

Bem ao teu lado é tão fantástico, como o massacre da vida e o estupro do verso ou o amarrar do cadarço, que é o outro lado dos pés, que andam tão rápido.

O outro lado do fim é o começo do acaso;
O outro lado do mundo fica ao lado do quarto.

Marcos Martins.