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Alguns de meus contos



O LIVRO SOBRE UM CORPO DESNUDO

O home nu, deitado em sua cama de casal, tinha apenas um livro para cobrir a nudez. Parecia em paz consigo, mas o mundo explodia lá fora. Ele não podia fazer nada, apenas ficar deitado em sua cama, há mais de três dias desfeita, deitado, nu, com o livro a cobrir o sexo, podia refletir enquanto o mundo explodia lá fora.

Deixou o livro entreaberto, em cima do púbis, abriu os braços, como que tentando tocar o ar, mas logo os retraiu e pós em cima do peito, pode sentir sua respiração relaxada: - quem relaxa nos dias de hoje enquanto o mundo explode lá fora  - pensou e sorriu.

Não havia motivos para se chorar por todos que estava morrendo lá fora, pois todos morrem um dia - de forma branda ou não - mas o livro, o livro que lhe cobria a nudez, esse tinha as respostas para todos os porquês e dilemas da humanidade, pois suas folhas estavam em branco, e o homem nu, deitado naquela cama suja, sabia que estava livre, por mais que a vida o batesse sabia que poderia confiar em seus instintos, ele sabia que poderia escrever sua própria história enquanto o mundo explodia lá fora, bem longe de seus pensamentos e olhares cheios de esperança.

      
Marcos Martins.



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Foto google: Ponte da Boa vista (Recife)


O DIA EM QUE O RECIFE AFUNDOU


Desde menino Henrique tinha dois sonhos e um trauma: queria ser astronauta, era o primeiro sonho; destruir todas as pontes da cidade do Recife, o segundo; ter que atravessar as temidas pontes da Veneza brasileira todo santo dia era seu trauma. 

Quando menino, caíra da ponte da Boa vista e quase morrera afogado nas águas escuras do Rio Capibaribe. Ele tinha 7 anos na época e hoje, passados 23 anos, o pobre homem nunca conseguira esquecer a sensação de afogamento e o gosto que o rio deixou em sua garganta.

Sempre que passava por alguma das pontes do Recife suas mãos gelavam, sentia tontura e náusea, chegava há levar 20 minutos na travessia de uma das pontes, chegando a causar um certo congestionamento.  Certa vez chegou a travar no meio da ponte Maurício de Nassau e ficou agarrado a estatua do poeta Joaquim Cardozo por horas, só saiu de lá com a ajuda do corpo de bombeiros, depois de uma exaustiva negociação. Virou notícia nesse dia e por algumas semanas era reconhecido por onde passava.

Fosse a pé, de carro ou ônibus, não tinha importância, ter que cruzar qualquer uma das 49 pontes da cidade era um martírio. À medida que Henrique crescia, também crescia a vontade de explodir todas as pontes da capital pernambucana, pois dentro de sua cabeça, o que sustentava o Recife eram as pontes, sem ela toda a cidade afundaria. Mas explodir 49 pontes não é era coisa fácil de se fazer, então teve uma ideia brilhante, em seus devaneios acordado. Estudou  a arquitetura do Recife e chegou a conclusão de que teria que destruir 12, das 49 pontes que tanto embelezavam sua cidade, que todo o Recife afundaria, pois as 37 restantes não aguentariam o peso da metrópole e sua agonia teria fim.

Henrique estudou por 5 anos quais pontes, de fato, sustentavam a cidade e concluiu que eram as: Princesa Isabel; 06 de Março; Duarte Coelho; Limoeiro; Boa Vista; Maurício de Nassau; Buarque de Macedo e a 12 de Setembro. Essas seriam os pilares de sustentação do Recife e se fossem postas a baixo, toda a cidade sucumbiria.

Conseguiu comprar dinamite, de uma forma que seria melhor ninguém ficar sabendo para não se complicar, pois existem coisas que não se deve ser explicada, como por exemplo: receita de bolo, doação para campanha eleitora ou verba de gabinete. 

Comprou alguns detonadores a controle remoto na internet  alimentados por bateria de celular (hoje pode se construir um acelerador de partículas com material comprado em sites de compra on-line). Fez alguns testes no quintal de sua casa soltando rojões para ter a certeza de que que tudo daria certo (um louco prevenido por dois vale por um são). Ao soltar os rojões a criançada da rua ia ao delírio, Henrique só visualizava as pontes indo a baixo e sorria de forma aliviada.

Planejou tudo de forma metódica, esperou por um feriadão, para ter a certeza de que toda a cidade estaria vazia. Utilizou um barco para navegar pelo Capibaribe, para não levantar suspeita, e aproveitando um feriado que caia numa segunda-feira pôs o plano em prática. Durante dois dias conseguiu instalar dinamite em todas as 12 pontes que escolhera. Foram dois dias acordado a base de energéticos para dar conta de tudo.

Logo após colocar todos os explosivos, foi para o topo do prédio JK, dessa forma tinha a certeza de que teria uma visão privilegiada e assim poderia contemplar a concretização de sua façanha.

- Recife, eu te amo! – gritou do alto do prédio de forma sádica.

Esperou o sol nascer, porque queria que o astro rei presencia-se sua façanha. O Recife acordava de forma sonolenta, os ônibus ainda não iniciavam seus percursos, passando lotados de gente enlatada, não se ouvia o som de motores, nem a fumaça de canos de escapes dos automóveis que nos matando de forma silenciosa. Ele estava emocionado, suspirou e acionou os detonadores... Sentiu um silêncio dentro de si e então o som das explosões. Ao detonar os explosivos sentiu que todo o Recife pode ouvir o som, como se trombetas celestiais anunciassem o novo e uma lágrima se fez nascer.

Uma a uma as pontes foram postas a baixo. Então tudo se acalmou. Mas foi passageiro, pois estalos secos irromperem a paz falaciosa e toda a cidade começou a afundar. Henrique chorou no topo do JK quando viu o cinema São Luiz emergindo, a lama começando a tomar conta de tudo, a se misturar as ruas, vielas, cada canto - do Beco da fome ao Marco Zero.

Enquanto o Recife sucumbia, lembrou que havia deixado um barco, para a sua locomoção, ancorado ao pé da ponte da Boa vista, onde tudo havia começado, onde sua vida havia ganhado um propósito e agora não mais existia barco, pontes, Recife, propósito algum.        
   

Marcos Martins.



***


Quanto custa seu tempo?



Mais uma vez ele saia na correria de casa para não se atrasar no emprego. Pegava seu ônibus como à maioria das pessoas faziam, porém, sempre tinha um engarrafamento, um acidente ou uma manifestação impedindo que chegasse ao trabalho em tempo.



- Atrasado de novo? – dizia o chefe, olhando fixamente para o rolex, falsificado, que costuma ostentar. 



- Sinto muito chefe, foi o trânsito. 



- Se você saísse mais cedo de casa, talvez isso não acontecesse mais – lhe dizia, rispidamente, o patrão e ia para a sua sala ver pornografia até à hora do almoço. 



Para chegar ao emprego ele tomava um ônibus e o metrô. Se tudo corresse bem gastaria 35 minutos de ônibus e 19 minutos de metrô para chegar ao centro e 15 minutos de caminhada até chegar ao trabalho, mas nada correia bem e sempre se atrasava.



Começou a perceber, quando chegava à estação do metrô, que a hora que o relógio digital do seu lado da estação marcava sempre 2 minutos a mais, em relação ao sentido subúrbio. Se o relógio, no sentido subúrbio estivesse marcando 8h30 da manhã o no sentido cidade marcava 8h32 da manhã. Isso o deixava intrigado e até um pouco revoltado, pois sempre lhe dava a sensação de que nunca chegaria a tempo em seus compromissos.



Para não se atrasar mais resolveu comprar um relógio e acertar às horas de seu relógio pela hora do relógio da estação de metrô, dessa forma não se atrasaria.



Acordou cedo, sempre olhando para as horas de seu relógio, tomou seu banho; o café da manhã, ainda enrolado na toalha, terminou de se alimentar e foi por a roupa para ir trabalhar.



- Hoje não me atraso – pensou ao fechar às portas de sua casa e dirigir-se ao ponto de ônibus. 




Saiu meia hora antes do de costume, dessa forma tinha certeza absoluta que não se atrasaria, como se existissem certezas absolutas. Enfrentou mais um engarrafamento, mas dessa vez não se preocupou, pois ao olhar o relógio do pulso viu que tinha 15 minutos de sobra.



Chagando a estação do metrô, foi para o local de costume – entrava sempre no primeiro vagão -, esperar por seu transporte, mas ao olhar o relógio da estação notou que o relógio no sentido subúrbio marcava 7h., da manhã, enquanto o no sentido centro marcava 7h30. Suas pupilas delataram ao verem o relógio da estação e ao coparar com o relógio em seu pulso. Descobriu que os relógios marcavam à mesma hora.



- Como isso pôde acontecer? – pensou.



Agora só lhe restava o rolex, falso, do patrão não estar marcando à mesma hora que os relógios da estação e o que estava em seu pulso. 



- Atrasado novamente? – falou o patrão, antes de dar bom dia.



- Desculpe senhor Serafim – continuou tentando se justificar com o chefe – Sai bem sendo de casa, cheguei a comprar esse relógio para não me atrasar e não sei explicar como isso aconteceu se antes de chegar à estação de metrô, eu estava dentro do horário.



- Saia de casa mais cedo, faça como eu e todos os outros funcionários fazem – falou e foi logo para à sua sala atualizar seu perfil nas redes sociais. 



Ele sabia que não adiantava se justificar. Ninguém iria acreditar que o tempo estava contra ele. Pediu desculpas mais uma vez e prometeu que iria fazer de tudo para não se atrasar e que compensaria o atraso descontando de sua hora de almoço.



Na volta para casa, tomou o metrô sentido subúrbio e ao chegar à estação de seu desembarque sincronizou seu relógio e o do seu celular com o do metrô, sentido centro. Agora não tenho como me atrasar, disse para si.



Acordou duas horas mais cedo e saiu uma hora antes do de costumes. - Quero ver eu me atrasar agora - falou e foi quase que correndo tomar seu ônibus. Para a sua surpresa não tiveram engarrafamentos naquele dia.



Chegando à estação de metrô, desceu do ônibus quase correndo, pediu licença para passar na frente de algumas pessoas de outras nem licença pediu, até que alcançou sua plataforma.



- Não acredito! – gritou e todos na estação no sentido subúrbio e no sentido centro olharam para ele que, incrédulo, olhava freneticamente, hora para o relógio de pulso, hora para o relógio de seu celular, hora para o relógio da estação de metrô.



Os relógios marcavam 8h40 da amanhã, ele não entendia como isso podia ter acontecido se antes de entrar na estação ele estava dentro da hora, na verdade estava adiantado e tinha a certeza que chegaria primeiro que todos para dar expediente.



- Nunca vou chegar antes das 8 horas para começar a trabalhar – falou com os olhos marejados.



E assim se passaram dias, meses e anos, sempre correndo contra o tempo e o tempo vencendo-o no final. Sempre que pegava o metrô para ir a qualquer lugar, nunca conseguia chegar no horário marcado. Com o passar dos tempos sentia que não conseguia alcançar nada, sentia-se curto, cansado e passou a andar envergado. Sempre que via um relógio desviava olhar, passou a ter ojeriza pelos ladrões de tempo - foi assim que começou a se referia aos relógios -.



Passou a vagar por todas as estações de metrô, sempre em busca de um relógio que batesse com as horas de seu relógio de pulso e de seu celular, nunca encontro. Por mais que sincronizasse seus relógios com os da estação, era só descer do metro, entre uma estação e outra, que seus relógios ficavam adiantados e ele se sentia atrasado.



Parou na estação central e ficou olhado às horas passarem. Por lá viveu até que se tornou uma sombra e ninguém mais sentiu à sua falta, pois todos estavam sempre correndo contra o tempo para não chegarem atrasados em suas vidas.


Marcos Martins.

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Ônus


  

Flashes e mais flashes eternizavam, de uma forma mórbida, a garota deita, seminua, em um matagal afastado do centro. Ela sonhava em ser modelo e agora estava morta.


Sofia tinha 16 anos, mas nunca havia votado em eleições municipais ou nacionais. Não teve tempo. A mãe olhava, sem acreditar em seus olhos, a menina que carregara no ventre um dia ser motivo de curiosidade de populares e alimento para os vermes implacáveis. Três policiais tentavam segurar o pai que estava fora de sua sanidade. Os filhos não deveriam viver menos que os pais.



O destino, ou seja, lá que nome tente dar a atrocidades, inverteu a ordem das coisas. Mas uma vez as pessoas se sentiriam inseguras, comovidas e indignadas, mas o mundo continuaria seguindo sem se importar. A comoção tomou conta de mães, pais e filhos que choraram abraçados com perca daquela família, que até bem pouco tempo atrás não sabiam que existia. Somos solidários na dor.



As investigações tiveram início. Crime passional, por motivo fútil, concluíram. O algoz, o namorado da menina, um jovem de 18 anos que não aceitava o fim da relação. No decorrer das investigações, os jornais televisivos mostraram filmagens do assassino executando a vítima. Tudo aconteceu em frente a um posto de gasolina, em mais uma madrugada manchada por sangue de inocentes. A lua cheia presenciou tudo, mas nada pode fazer.



O rapaz foi preso, mas como não foi pego em flagrante responderia o processo em liberdade. Os pais de Sofia sentiram-se sem chão. Não é fácil perder a fé. Os pais, como forma de repúdio e descrença absoluta nas leis, apelaram para que o Estado deixasse de mão a investigação, até chegaram a pedir desculpas aos policiais que se empenharam na elucidação do crime. Se ao menos a lei não fosse cega, Sofia não teria sido ceifada de seu mundo.



Em carta aberta à mãe desabafou em rede nacional, falou que não acreditava na justiça, que não perdoava o assassino de sua filha, no entanto não queria que fizessem justiça com as próprias mãos, pelo contrário, gostaria que o rapaz permanecesse vivo para que todos os juristas, políticos, homens e mulheres que mandam no país sentissem vergonha do código penal e que, ao cruzarem com o assassino de sua filha, pudessem refletir por um só momento que à violência não escolhe: posição social, etnia, credo, faixa etária ou opção sexual e que os assassinos, e ladrões poderiam até estarem acima da lei, mas que ninguém é imune ao efeito devastador da violência.



Marcos Martins.




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O rei está morto



Quando levantei logo cedo e pude ouvir o galo me dar bom dia sorrindo percebi que algo faltava, não sabia ao certo o que era não tinha a profundidade das coisas pequenas embrenhadas em mim. A única coisa que me vinha à cabeça era que - O rei estava morto. 



Fui até a copa, tomei um pouco de água, aquela água descerá como vidro, pois meu estômago, ainda adormecido, não aceitava tomar banho logo cedo. E aquele pensamento voltava a minha razão - O rei está morto -.  Como não planejei meu dia, fiquei meio perdido neste momento inquietante de meu saber das coisas, logo eu, um cético assumido, não poderia acreditar em crendices supersticiosas, ora bolas. Se o rei estivesse mesmo morto como eu poderia saber? Mas a voz aguda e renitente ecoava no fundo de meus pormenores “O rei está morto”.



Cuidei de tomar um bom copo de leite morno, depois do total despertar de meu estômago, que a senhora Vangruber preparara para mim. A senhora Vangruber era uma imigrante que não teve sorte de enriquecer em terras brasileiras, o azar acometera sua vida. Mas que fique claro que eu não acredito em azar ou sorte, acredito nos fatos, em coisas palpáveis e na santa razão dos filósofos iluministas. Apenas citei a apalavra “azar” para replicar as palavras da senhora Vangruber, pois, acho engraçado entregar a vida a coisas de cunho sobrenatural. 



Sempre iniciava meu desjejum com um pouco de leite morno, poderia passar dias falando sobre os benefícios de se tomar leite morno. Todos os males físicos e da alma que essa lactose poderia curar. Nem o mais sábio dos alquimistas poderia dispor de tamanha sapiência das virtudes do leite e no deleitar de suas teorias, a respeitos das coisas da natureza, haveria de concordar comigo que o leite morno é e sempre será a cura para todos os males, físicos, morais, perturbadores de cunho assaz para tudo. Isso sem mencionar as moléstias da alma que tal bebida poderia curar. 



Como falei antes, sou um cético para certos pormenores, porém, estou vivo e suscetível às influências folclóricas que todo ser civilizado está. Farei um dia uma ode a tal bebida pura e simples de se preparar. Um dia farei um ensaio. É isso! Farei um ensaio sobre bom leite morno. 



Mas a voz volte e meia me perseguia “O rei está morto!”. Não me interesso por assuntos das nobrezas, não sou nobre, não por titulação, sou apenas um capataz das coisas burocráticas que ninguém mais ousa fazer. Se ao menos tivesse ouvido os conselhos de minha genitora, mas não. Parentes só nos dão conselhos para nos atrasar a vida, era assim que eu pensava em minha insolente burra e fugaz juventude.



Peguei as ferramentas de meu oficio, coloquei tudo em minha pasta e fui para minha labuta burocrática, que me fazia refém a mais de 10 anos. Minha labuta! Escravidão remunerada, soldo de minha juventude e outros adjetivos não tão nobres que não ouso mencionar. Logo eu, que sonhava em viver no meio do mundo, fui me acorrentar justamente em uma repartição pública, onde o público e o pessoal nunca podem se misturar. 



Com o desembaraçar das horas fui concluindo as etapas tediosas de meu ofício, mas sem que percebesse, soltei em alto e bom tom “O rei está morto!” Todos me olharam espantados, como eu poderia dizer tamanha sandice. Que rei? Que morte? Para que um rei se vivemos numa república? Sorri com rubor e me pus a trabalhar com a cabeça quase tocando a escrivaninha, mas os olhares, ah! Os olhares repúdiosos me incomodavam. Estava refém daqueles olhares que ansiavam em me caluniar, em me achar “doidivanas”. Podia ler os olhos de cada um.



No relógio, marcavam meio dia. A hora que todos esperam no âmago de seu ser, mas para mim não, não naquele dia, não podia me deliciar com os alimentos que repousavam em minha marmita. Não. Não até resolver aquele impasse “O rei está morto”.



Quanto mais lutava para me despistar de meus pensamentos irritantes, mas tinha a certeza que não conseguiria ir muito longe, pois era carcerário de meus pensares e, não conheço uma única alma viva que tenha conseguido fugir de seus demônios internos. Foi quando de súbito levantei da cadeira, fui até uma janela - ao menos não haviam nos privado de ar puro -, e gritei a plenos pulmões. 



– O rei está morto! 



Todos pararam. A cidade me olhara de baixo para cima e meu espírito atormentado pode enfim ficar em paz por alguns minutos, mas tamanha era a curiosidades dos olhos transeuntes lá de baixo que me senti como uma rapariga de saias que recebe uma rajada de vento malicioso e lhe deixa exposta em missa de sétimo dia.



As pessoas de minha repartição não gostaram de minha revelação, me chamaram “Anarquista!”. E logo tive que ir vê a autoridade máxima, O chefe. Um senhor de cabelos ralos, bigode bem cuidado e uma vaidade descomunal, mas qual chefe não é vaidoso? Para se chegar à chefia de algo o homem tem que ser vaidoso, se olhar no espelho e se ver em mil.



- Porque gritou aos quatro cantos que o rei estava morto?



- Não sei senhor.



- Como não sabe, por acaso você é algum piadista?



- Não, não sou.



- Então o que o levou a gritar daquela forma, essas palavras sem sentido? Por acaso não sabes que somos uma república?



- Sei, mas....



Todas as frases que se finalizam com um “MAS” são motivos para que todas as terminações nervosas comecem a incomodar o corpo. Um comichão que percorre da parte mais significante a menos insignificante de nosso corpo se inícia, num ciclo mais forte que cotrações de uma mulher prestes a dar a luz quando um “MAS” é proferido dos lábios de alguém.



- Mas... O que?  - perguntou meu algoz.



Pus-me a explicar.



- Acordei logo cedo, como sempre o faço. Tomei meu banho, escovei meus destes, me vesti, calcei meus sapatos, mas antes pus as meias, fui até a cozinha, tomei meu leite morno. O senhor conhece todos os benefícios que o leite pode nos proporciona?



Ele apenas me olhou, incrédulo, e não me respondeu a pergunta, talvez achasse que fosse uma pergunta retórica. Ele passou a mão em seus cabelos ralos e me fitando, perguntou.



- O que isso tudo tem haver com seu delírio na janela?



- Não foi delírio, senhor, foi uma forma de externar o que estava me dilacerando o peito e a cabeça.



- Que rei é esse, você o matou?



Tomei um susto! Aquela pergunta repentina. Queria ele me acusar de assassinato? Queria ele me condenar ao ostracismo das grades de aço e roupas xadrez? Não poderia cair naquele truque, não, ele não iria me incriminar por saber o que todos não sabiam, ou não queriam saber. O rei estava morto, era fato, agora querer me acusar de tamanha barbárie, isso sim, era uma loucura.  



- Não matei rei nenhum, não sou um assassino, meu senhor.



- Então que rei é esse? 



Não sabia o que dizer, então, mais uma vez, gritei a plenos pulmões.



- O rei está morto!



Meu chefe tomou um susto, seus olhos se arregalaram quase que saltam para fora do rosto, se não fosse seu nariz, acho que teriam saltado. Todos correram para a sala do patrão. Uma quase algazarra se formou na porta, todos queriam ver o que estava acontecendo. Não conseguia entender o que diziam do lado de fora, falavam todos ao mesmo tempo, quanto a meu chefe ficou transtornado e me mandou embora para casa, falou que eu precisava descansar e, de um bom copo de leite morno.



Ao seguir para meu lar, via as pessoas andando, levando suas vidas nas costas, todas sem terem a informação que eu tinha “O rei estava morto”. Sorri por algumas vezes, acho que me acharam bobo, mas não ligava, pois tinha a informação que ninguém mais tinha e não deixaria que ninguém ousasse roubá-la de mim. Um homem é uma fortaleza em seu lar, e era para lá que eu estava seguindo.



Ao chegar a minha casa, tratei logo de observar quais eram os cantos mais vulneráveis de meu lar, tratei de fazer os reparos necessários para que nenhum invasor ousasse invadir minha fortaleza. Fiz barricadas, armadilhas com baldes cheios de água com sabão, mas algo faltava. Então, tive a grande ideia. Tinha que informar a todos que “O rei estava morto”. Comecei pela lista telefônica, onde pude selecionar todos os telefones de jornais, do impresso, ao radiofônico e claro a TV, minha esperança era que a TV sabendo de tamanha revelação interromperia sua grade de programação para dar um boletim extraordinário. Toda a sociedade, ou melhor, todo o país teria que saber desse fato. Deixei meu egoísmo de lado e me pus a ligar para todos os meios de comunicação, já inventados, para que a humanidade pudesse descobrir o que só eu descobrira naquela manhã reveladora “O rei estava morto”.



Findado meu dever moral e cívico, pude descansar por alguns minutos, foi então que tive a grande ideia de rever minhas economias para poder comprar um megafone e do alto de minha janela começar a informa a todo o cidadão, descente, assim como eu, que o rei estava morto. Não tardei e, logo estava com o megafone em punho a informar a todos os que passavam por minha rua, e devido ao tamanho da parafernália que adquirira quem sabe pessoas das ruas vizinhas pudessem ouvir minhas verdades.



- O rei está morto! O rei está morto!



De forma, incansável, me pus a informar a todos, alguns nem se importavam com minhas revelações - pobres diabos - outros paravam a frente de minha casa e contemplavam as verdades que ecoavam de minha voz amplificada por meu megafone. Foi então que a conspiração se formou. Uma rede ultrassecreta de agentes de algum órgão decidiu me interpelar e mesmo com toda a proteção que havia criado, minha fortaleza foi invadida, saqueada, e eu, levado como prisioneiro para ser torturado, ou sabe-se lá Deus o que fariam com minha pessoa para que a voz da verdade que saiam de minhas cordas vocais findasse.



- Que lugar é esse – perguntei, sem ter uma resposta satisfatória. Na verdade não obtive resposta alguma. 



Depois da alguns momentos de reflexão percebi um ambiente, hora hostil, hora cercado de demência e olhares vagos para um horizonte imagético. Foi então que percebi um homem se aproximar, ele me olhava com olhos da verdade, uma verdade oculta que poucos podem perceber. Como eu era astuto e grande conhecedor dos gestos humanos, sabia que ele me escutaria e talvez fosse à única pessoa na terra que me ajudaria a iniciar um movimento libertário, uma nova revolução disseminativa e decisiva, pura, que todos iriam compartilhar da verdade absoluta que entranhava em mim.



- Você fuma? – me perguntou.



- Não, mas preciso de sua ajuda – respondi.



O homem me olhou de cima a baixo e com um gesto tímido, acenou positivamente para mim. Era disso o que eu precisava, de um fiel escudeiro para me ajudar a propagar tudo o que eu sabia.



- O rei está morto, sabia? – perguntei.



Foi então que percebi que não conseguiria revelar ao mundo minhas certezas. O homem me olhou tortamente e num momento de fúria, começou a esbravejar.



- O rei está morto?! Mas isso é impossível! Quem está levantando inverdades a meu respeito?! Guardas! Guardas! Descubram quem anda inventando calunias sobre mim e cortem-lhe a cabeça!



Era óbvio eles queriam que eu caísse no descrédito, queriam me transformar num sandeu para que a verdade nunca fosse revelada. O rei estava realmente morto, porém, colocaram um impostor, um proletário para usar a coroa que só pertencia ao verdadeiro monarca. 



Que o bom Deus nos ajude-se nessa hora de conspiração.    



Marcos Martins.

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