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segunda-feira, 25 de maio de 2015

Uma poesia turbulentamente normal





MUNDO TURBULENTAMENTE NORMAL


É hora de voltar ao mundo turbulentamente normal, onde sonhos são apenas sonhos e nada mais; onde vidas são apenas números e nada mais; onde a natureza selvagem fica cada vez mais domesticada em nossas cidades sitiadas.

É hora de voltar ao mundo moderno, onde podemos seguir com nossas superstições e queimar algumas bruxas, para não perdermos o hábito da superstição.

É hora de voltar ao mundo, ó mundo. O mundo que está doente, que adoecemos, que pisamos e nos importamos sem nos importar realmente. 

É hora, sempre é alguma hora para se fazer algo, algo que nunca alcanço, mas tudo bem, pois tenho amigos para rirem de minhas piadas fracas, de minhas roupas gastas, de minhas ideias medianas, de meus pertences que não me pertencem –  nada nunca me pertenceu de verdade.

É, é hora de voltar, de voltar para onde?

É bom, é bom existir, mesmo que por vezes não faça nenhum sentido para mim;

 É bom, é bom existir e saber que podemos levar nossos erros para a sepultura sem culpa alguma, pois os vermes não são puritanos;

É, é bom saber que tudo um dia termina, que o dinheiro termina, e que o mundo continua cada vez mais ensurdecedor, e que os sonhos são apenas sonhos, e que os risos são apenas risos, e que os perdidos fingem se encontrar, e que os líderes fingem se importar.

É hora de seguir nessa estrada turbulenta, com todo o meu afã.


Marcos Martins

sábado, 23 de maio de 2015

VEIO-ME O CHEIRO DA DEPRESSÃO


VEIO-ME O CHEIRO DA DEPRESSÃO


Me veio o cheiro da depressão. Não era um odor desagradável, muito pelo contrário, é um aroma mortalmente delicioso. Impregna-me todo o corpo. Não sei como posso deixar de senti-la em mim.

Um vento morno roçou em meu rosto, se insinuou porque sabia que eu não poderia lhe tocar e sussurrou em meu ouvido: - Desista, você não nasceu para ganhar.

Me veio o cheiro da depressão, se materializou em minha frente, tinha as feições delicadas, olhos sedutores e uma tatuagem da morte em seu seio esquerdo. Chamou-me para ficarmos mais íntimos, sorriu, me tocou o pescoço, os pulsos e tentou beijar-me. Fechei os olhos, lacrei os lábios.

Me veio o gosto da depressão, os gemidos, as angústias, os murmúrios, mas resolvi seguir seguindo, resolvi viver sem sorrisos, mas vivo, vivo.



Marcos Martins.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Uma das poesias mais forte que fiz: CÂNCER



CÂNCER


Não sinto meus membros  apenas odor;

Não consigo enxergar mais da mesma forma quando jovem. Vejo apenas vultos  fantasmas que me assolam.

Não sinto meus braços. Meus braços já foram tão fortes, agora, agora estão em frangalhos e não servem nem mesmo para segurar um copo com leito morno;

Não sinto meus órgãos, mas na verdade nunca os senti, acho que foi por isso que não me importei com eles como deveria;

Não sinto mais meus pés  apenas frio.

Não tenho forças para cobrir meu corpo – apenas frio.

Não tenho mais paladar, a comida tem gosto de cera, logo eu que adorava coisas doces, hoje só me recordo do amargo;

Não sinto meus dentes, eles caem sem me avisar, como frutas maduras ou podres que caem sem aviso prévio;

Não sei mais se estou aqui, mas estou aqui mesmo sem me sentir.

Não, não quero falar sobre isso, não quero me confessar com um padre, nem quero aceitar Jesus como meu salvador. Quero apenas definhar em paz, poder sentir os minutos finais de minha vida, a vida que me castiga agora (como se fosse castigo o acaso). 

Não sinto meu coração, mas ele ainda bate: Tum tum... Tum tum... Tum.

O que você quer de mim? 
O que meu corpo fez a mim?
Aceitar não é fácil, culpar é.


Marcos Martins.

sábado, 9 de maio de 2015

Poema: PÁSSARO BANDIDO




PÁSSARO BANDIDO 


Vem pássaro alegre e canta em meu ouvido
Diz-me o que quero ouvir - notícias de Rita. 

Vem sem medo de meu tocar, não o machucarei, prometo.
Voa voa voa pássaro amigo, vem para perto de mim, que só te quer bem.

Corro corro corro em movimento treinado para não cair, espero esse pássaro que teima em não chegar.

Ansioso, me sinto, coração disparado, vento nos cabelos – cabelos desgrenhados – e a esperança que o pássaro amigo não demora a chegar. 

Vejo o pássaro aproximando-se, vem como quem não quer nada, mas me trás notícias claras que minha vida ira mudar.

Rita casou-se, seu pai morreu, Paulo tornou-se seu marido, a quem desprezo sem conhecer, e lhe conquistou o amor que um dia julguei ser meu. 

Vai pássaro bandido, que me conta a felicidade alheia e sai sorrateiramente para revelar os infortúnios meus a ouvidos de tantos outros, que assim como eu, esperam por notícias alegres que tu nunca revelará com teu canto fúnebre.  


Marcos Martins.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Fotos que não se revelam



Fotos que não se revelam
  

Não sei fazer poses felizes em fotos, apenas mostro o reflexo triste de minha alma, de minha vida, de minhas aspirações.

Não, não sou fotogênico, meu lado esquerdo está deformando e ninguém se importa com os ratos que roem, roem e roem – a vida é uma eterna luta de devoradores -.

Não, não posso caminhar com você no parque, não com esse sol esperançoso, não com essas crianças correndo feito loucas. Simplesmente não dá.

Fui a um parque um dia, fiquei parado, observado tudo e a todos; um beija-flor chegou bem perto de mim e não conseguiu voar de costas, ele estava com defeito, assim como eu. Era isso o que achava por não conseguir fazer poses bonitas em fotos.

O mundo nos dá loucuras, não nos torna loucos, apenas faz desabrochar o que já somos.

“Não”, foi à primeira palavra que me disseram, e isso, hoje, faz toda a diferença em minha vida, pois agora sei que nem tudo o que se sonha se realiza. E não tem força de vontade que mude isso, é a natureza mostrando a força aos que acham que sabem tudo, aos que fazem poses para tirarem fotos que nunca se revelam.


Marcos Martins.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Gosto




Gosto


Gosto de ficar observando as pessoas
Gosto quando elas se revelam sem saberem que estou olhando
Gosto de imaginar o que estão pensando, em que mundo estão, se no tangível ou no intangível.

Mas o que eu queria mesmo, de todo o coração, era poder ouvir o pensamento de gente simples para poder explicar aos intelectuais como é fácil sorrir.


Marcos Martins.

domingo, 3 de maio de 2015

Um de meus contos: UMA TRAGÉDIA NÃO GREGA



UMA TRAGÉDIA NÃO GREGA



Ele queria ser intelectual, forçava a barra para parecer inteligente, até chegou a desenvolver um cacoete, que para ele era “Ô cacoete” que só intelectuais possuíam, pelo menos pensava assim. Seu jeito de andar era imponente, como se soubesse responder todas as perguntas do mundo e as que ainda seriam formuladas algum dia. Por isso andava de forma pesada, como se a gravidade agisse de forma diferente em seu corpo – como se andasse com a sapiência do mundo nas costas. 

Sempre que estava sentando em algum canto, colocava a mão no queixo, fazendo pose de pensador, mas não pensava em nada, era apenas uma forma de aparentar ser inteligente, de ser respeitado, mesmo sendo um fingidor.

Nos finais de semana ia para livrarias e folheava os livros de Kant, Dotoieswisk, Focô, Satre, entre tantos pensadores. Os filósofos gregos eram os seus favoritos, seu ego ficava garboso ao folhear um livro de Platão ou Sócrates, mas o que ninguém sabia era que ele apenas lia os prefácios dos livros. Passava horas com um livro de Nietzsche nas mãos, mas nem conseguia escrever o nome do filósofo nem sabia que Zaratustra tinha contado aos quatro cantos que Deus estava morto. Achava que o filósofo alemão tinha nascido na Argentina.

Descobriu-se mais tarde que na verdade ele ficava contemplando o bigode de Nietzsche, pois tinha vontade de ter um bigode como aquele. Achava que se tivesse um bigode feito o de Nietzsche seria idolatrado por gregos e troianos, porém como gostava de tomar sopa, e sua mãe preparava uma sopa como ninguém toda a terça-feira, logo desistira da hipótese de ter um bigode como aquele. Respirava fundo e entristecia o olhar sempre que via o delicioso prato de sopa em cima da mesa a lhe seduzir e ter o sonho de um bigode impecável não se realizar.

Na roda de amigos, se sentia um rei, sempre falava dos filósofos que nunca lera de verdade e por isso era idolatrado por uns e detestado por outros também, que notavam o quão raso era. As garotas lhe desejavam como Eva desejou Adão – e ele se sentido o fruto proibido. Mas tudo termina um dia e ele foi desmascarado. De tão envergonhado tentou ler todos os livros que fingira ter lido em sua vida inteira. Só que o senhor Tempo é imparcial e em um complô com o senhor Morte, lhe ceifaram a vida – antes mesmo dele ter terminado de ler a Divina Comédia e Dom Quixote.

E sua vida permaneceu rasa, e sua morte foi esquecida rapidamente, e o fruto apodreceu na árvore sem ser degustado.                  

Marcos Martins.