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domingo, 23 de março de 2014

Trecho de meu livro Lugar Nenhum - Paraíso Distópico


CAPÍTULO I


DIÁRIO DE LÁZARO


17 de outubro de um ano qualquer


Decidi não colocar mais datas especificas em meus diários, não sei mais se tudo isso é real, só temo que todo esse mundo que vivo seja o fruto da imaginação de uma criança mimada. Não suportaria saber que não sou real, ou melhor, que só sou real na mente de uma criança, ou na mente de um escritor, ou de um cara que está passando na rua, dentro de um ônibus, tirando meleca e pensado que eu seria a projeção dele num mundo ideal para ele, não para mim.

Quem não já teve a sensação de estar sendo observado? Mas ninguém tem essa sensação mais que eu. Tudo começou depois do acidente que vitimou meus pais, até hoje meu Tio diz que é uma espécie de trauma causada pela “não aceitação dos fatos”, mas eu aceito a morte e o que a vida nos dá, porque não temos escolhas – achamos que temos escolhas, mas não temos. Quero tanto estar enganado.

Meus amigos dizem que sou muito velho para minha idade, é que quando você descobre que a morte existe algo muda em você. Não falo isso com orgulho, gostaria muito de me sentir um cara de vinte e dois anos que se mistura facilmente a/e na multidão, mas, não sei o porquê, me sinto às vezes um cara com cinquenta anos, acho que é por causa da responsabilidade que tive de ter muito cedo (ainda bem que minha libido é de um rapaz de vinte, se não estava perdido)... Mas o que tem de mais gostar de Goehte, Platão ou Nietzsche? Acho que só sou respeitado por meus amigos por curtir as varias vertentes do Rock and Roll... “Smells Like Teen Spirit”, como diria o Cobain. Só não tenho armas, mas tenho amigos e isso me basta, pois além dos amigos, tenho Ainá e isso realmente me basta. 
Minha vida é boa, não tenho do que reclamar... Certo, certo, meus pais morreram, mas meu Tio Paulo sempre foi como um pai e uma mãe para mim – acho que ele se sente um pouco responsável pela morte deles, talvez pelo fato do carro ter sido o dele. Meu Tio é o irmão mais velho de minha mãe e agora ele não tem mais uma irmã mais nova para se preocupar, tem um sobrinho filho.

Ainda bem que tenho Tio Paulo, graças a ele tenho um emprego, faço faculdade e tenho uma família. O que mais um homem pode querer? A verdade, talvez. “Só sei que sei que nada sei”, não é isso?




***


O celular me desperta com uma música suave, são 06h da manhã, tenho que levantar e ir trabalhar, não é porque meu Tio é o dono do negócio que posso me atrasar, mas antes de meu senso de responsabilidade despertar completamente, vou tateando com os dedos o celular, até achar a opção soneca para poder dormir por mais cinco minutos.

– Lázaro, vamos nos atrasar, rapaz! – ouço os gritos de Tio Paulo, impaciente, na escada que dá para a parte de cima onde ficam os quartos. Como sempre o som de sua voz de barítono sobe de forma veloz e invade meu quarto, adentra se infiltrando por baixo do meu coberto e explode em meu rosto, até esmagar meus tímpanos. “Vamos lá, cara, acorda e vai viver!”, digo para mim em pensamento, numa tentativa de criar animo para mais um dia de labuta.

Está para nascer homem mais pontual que meu Tio, nem um Britânico é tão preocupado com as horas quanto ele. Às vezes isso é um saco, mas todos têm que acordar, não importa se à meia noite ou ao meio dia, não importa se quando criança ou depois dos setenta.

– Lázaro! Olha a hora, menino!

– Já tô indo, Tio! – digo ainda um pouco sonolento.

Tomo ar, me espreguiço todo, até sentir o cobertor fora de meu corpo. A frieza da manhã toca minha pele, posso sentir os poucos pelos do braço se esticando, como que se espreguiçando também, mas é só vontade de voltar a se aquecer. 

– Vou me arrumar, Tio! – grito tentando acalmar seu espírito impaciente. 

– Vê se vai logo, garoto.

Em dez minutos já estou pronto, a água fria do chuveiro me ajuda a despertar completamente e o tempo começa a deixar de ser meu inimigo. Desço correndo as escadas, com minha mochila azul nas costas e a cara menos inchada de sono. Começamos o ritual do café da manhã: suco de laranja, café preto, leite desnatado em cima da mesa, pão assado, queijo de coalho, iogurte e o jornal estampando como manchete mais um atentando a bomba. Tio Paulo começa a falar sobre a loja e eu calado como sempre. Não sou muito de falar logo quando acordo, sou meio lisérgico pela manhã, confesso; é como se eu tivesse que ter um tempo para me organizar mentalmente. Ás vezes fico a olhar meu Tio falando e é como se tudo estivesse em câmera lenta, sua boca, as gotículas de saliva saindo, o piscar dos olhos, tudo em slow motion.

Ao terminar o café nos deparamos com os pratos da janta de ontem e como temos medo que um inspetor da vigilância sanitária bata a nossa porta, porque algum vizinho denunciou o mau cheiro, ou até mesmo que um policial surja, por achar que temos cadáveres dentro de casa, lavamos os pratos antes de sairmos para trabalhar.

Essa era a nossa rotina toda a manhã, exceto nos feriados. Tudo pronto, casa arrumada, que pelo fato de morarem dois homens ali não deixava a desejar no quesito arrumação. Saio na frente, sempre apresando, não por estar atrasado, mas pelo meu Tio ficar falando para eu não me atrasar, é como se meu corpo e mente já estivessem condicionados a isso, então prefiro ir na frente, entrar no carro e ficar esperando por ele.

Ao ver Tio Paulo fechando a porta de casa, lembro que esqueci meu trabalho de faculdade no quarto – faço história antes que perguntem –, desço do carro para ir pegá-lo, tenho que terminar esse trabalho ainda hoje.

– Tio, me espera no carro, tenho que voltar e pegar um trabalho.

– Olha a hora, menino!

– É jogo rápido – falo já abrindo a porta da frente de casa com minha chave.

– Você não terminou esse trabalho, Lázaro?
– Só faltam algumas linhas, termino no trabalho – respondo e vou entrando em casa para pegar meu pen drive, onde o trabalho está adormecidamente guardado.

– Lugar de trabalho é de trabalhar, garoto – me adverte meu Tio, se dirigindo ao carro.

– Corta essa, patrão – respondo sorrindo e entro em casa.
     
Ao entrar em casa sinto uma presença estranha, vejo um vulto sobindo às escadas em direção aos quartos e me assusto. “Acho que Gilberto Freyre iria gostar de ver isso”, penso no primeiro momento e dou um sorriso tímido. Aquela visão só poderia ser minha mente me pregando uma peça, ainda estava com sono, tinha dormido tarde na noite anterior, só podia ser uma sombra deslocada pelo sol – o sol da manhã era todo em cima de nossa casa – ou ainda a sombra de um balão meteorológico. Mas o que um balão meteorológico estaria fazendo em nossa casa?

Entrei um tanto quanto relutante, mas tinha que ir até meu quarto, não tinha outro jeito. Pensei em chamar Tio Paulo, mas aquele pensamente soou ridículo em meu consciente. Fui cautelosamente em direção da escada, toquei o corrimão com a mão direita – estava frio –, olho para cima, ela parecia bem maior e mais perigosa agora. Tomo coragem e levo o pé direito até o primeiro degrau. “Vamos logo, Lázaro! Olha a hora, rapaz!”, grita meu Tio de dentro do carro e buzinando freneticamente, aquilo me desconcerta, me tremo todo por dentro e por fora e o pé, que antes seguia sabendo onde iria pousar, aterrissa de forma desconcertante, meio para fora, meio para dentro do primeiro degrau. “Ai Jesus!”, falo pondo a mão no peito, sentido os batimentos cardíacos acelerados, parecia à marcha de cem cavalos rumo a uma batalha, se não estivesse com a mão segurando o corrimão, acho que teria caído tamanho o susto que sentira. 

A situação me faz ter o impulso de subir as escadas sem ter tempo para pensar no que eu poderia encontrar lá em cima – o medo por vezes te impõe à necessidade da coragem –, mas ao chegar ao meio da escada paro e o receio volta a se apossar de meu corpo. “Será que é um gato? Será um fantasma? Ou seria um ladrão?”, penso. “Não, não é ninguém, nem nada, é apenas o fruto de minha imaginação”, falo para mim tentando convencer de que realmente não é nada. Mas se fosse alguém, tinha que tentar dar-lhe um susto e assim poder rendê-lo... Só torcia para que ele não estivesse armado e que meu esfíncter aguentasse o tranco.

Finalmente subo e olho cautelosamente para o corredor, branco e úmido; por uns instantes tenho a impressão de velo esticando-se para dificultar minha ida até o quarto, passo a mão esquerda nos olhos, sem desgrudar a direita do corrimão, como que para limpar à vista, a sensação de profundidade desaparece e a realidade aparentemente surgir. Finalmente sigo e não vejo ninguém, mas um calafrio me toma, como se tivesse alguém em minhas costas, me olhando, não ouso olhar para trás, não até conseguir sentir a maçaneta da porta de meu quarto em minhas mãos. A porta do quarto estava fechada, da forma que a havia deixado antes de descer, logo, ninguém poderia ter entrado nele. Convenço-me de que não foi nada, mas mesmo assim meu senso de sobrevivência me mantém cauteloso e alerta. Entro no quarto. Nada de anormal. Tudo estava como deveria estar: cama por fazer, as miniaturas dos planetas do sistema solar pendurados logo à cima de minha cama, minha coleção de Star Wars e Star Trek convivendo pacificamente, juntos com o Batman, Coringa, Hulk, Homem de Ferro e o macaco César. Olho todo o quarto, dando um giro de 360 graus, a confirmação da janela do quarto fechada demonstra que ninguém havia maculado meu santuário... E lá estava ele, meu pen drive, em cima da escrivaninha onde o havia deixado ontem, sendo protegido pela miniatura do senhor Spock, que fazia sua saudação vulcana para mim.

Pego o pen drive, o coloco em minha mochila, ainda penso em trocar de tênis, mas não havia tempo. Ao sair do quarto dou as últimas recomendações ao senhor Spock, mas logo tenho as palavras interrompidas por um barulho estranho, um som meio grave, meio agudo que se formava dentro do quarto, não era o som de algo quebrando, mas era forte e quando dei por mim a janela que, outrora se encontrava fecha, agora estava aberta. Um arrepio agudo, quase doloroso, foi percorrendo meu corpo de forma alucinante, senti um calafrio na alma, daqueles que deixam em pé até os pelinhos dos dedos dos pés. Sai do quarto feito louco, mas antes de sair, de bater a porta com tamanha força que fez com que dois quadros de paisagens pintados a óleo e uma réplica do quadro de Salvador Dali “O sono” estremeceram, senti um cheiro familiar.

Não sei se gritei ou não gritei enquanto saía do quarto e passava em disparada pelo corredor. A escada, dessa vez, pareceu-me menor e a desci quase que com uma única passada de pernas. E ao chegar à porta da sala pude ter a certeza de que alcancei a velocidade de trezentos mil quilômetros por segundo e que a teoria da relatividade não era mais uma teoria e sim uma realidade para mim. 

Ao sair de casa, minhas mãos tremiam, quase não consegui trancar a porta, tentava por a chave na fechadura, mas com uma única mão era impossível, tive que mandar a mão direita segurar meu pulso para que a esquerda encontrasse o buraco da fechadura e assim eu pudesse sair dali o mais rápido possível.


Ao deixar a casa, olhei instintivamente para cima e pude perceber que tinha algo em cima da casa, no telhado, era a mesma sombra que subiu pela escada quando entrei em casa, ainda me estiquei todo para ver o que poderia ser, torcia para que fosse um gato, ou um pássaro, ou um gato tentando caçar um pássaro, foi então que Tio Paulo apertou a buzina com força e graças a Deus eu tinha um intestino forte, se não nós teríamos nos atrasado pra vale.

(...)

sexta-feira, 21 de março de 2014

Uma poesia antes da meia noite


Uma poesia antes da meia noite



Agora já posso ir dormir.
Não me preocupa mais o mundo, não me preocupa mais o fim da novela que todos assistiram, menos eu.

Agora já posso ir dormir.
Não tenho mais que tomar esses remédios que me entorpecem – esses pedaços do paraíso em capsulas que me fazem perder o chão.

Agora já posso ir dormir, porque sei que os moradores de rua já foram alimentados hoje – a única refeição digna para eles do dia.

Agora já posso tirar o “já” da poesia e ir dormir como os justos. Mas como posso dormir como os justos enquanto os justos queima o mundo em nome de suas verdades?

Perdi o sono – o que devo fazer?
Perdi o sono e não quero ver TV hoje à noite;
Lerei um livro, é, lerei um livro, mas não quero me transporta para outro mundo, já não me sinto livre nesse que existo.

Agora já posso ir dormir, já que nada posso fazer, a não ser fechar os olhos e torce para que minha pequenez se agigante algum dia e o mundo seja um local melhor, cheio de rosas a perfumar tudo e todas, absolutamente todas, estejam livres dos espinhos.



Marcos Martins.

sábado, 15 de março de 2014

Não posso mais me oferecer




Não posso mais me oferecer



Não tenho nada para você hoje 
Não tenho abraços, alegria ou flores
Não tenho lágrimas, pranto, indiferença, dissabores.

Não tenho nada.

Não almejei nada de extraordinário, apenas almejei o que me cabia carregar nas mãos, nos bolsos não, pois poderiam rasgar-se e minhas valiosas conquistas se perderiam em ruas infinitas, esquisitas e mal iluminadas.     

Não tens nada para mim.

Não há nada que me angustie mais do que não ter uma angustia por dia. Sem angustias, penso que vivo sem viver, que vivo sem ser completo e só a plenitude me da um sentido e formas de atravessar os labirintos que à vicissitude me põe a prova.

Não, não tenho realmente nada, nada a oferecer; apenas acordei tão sensível que a brisa da manhã me cortou. Acordei com a sensibilidade dos anjos, mas sem nada para oferecer, nem para imolar eu servia.

Marcos Martins.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Hoje é dia da poesia e o que mais posso dizer? - ABSOLUTAMENTE NADA



ABSOLUTAMENTE NADA


Nada do que eu disser mudara o rumo das coisas, crianças continuarão nascendo e seus choros estrondosos serão ouvidos, outras terão o choro cessando antes do nascer do sol – é a vida em seu estado selvagem e cruel.

Nada do eu disser porá fim as guerras dentro e fora de nós – apenas sorria e acene, sorria e acene e finja que é feliz assistindo sua TV LCD de 100 polegadas, pois nada poderá lhe tocar, nem mesmo os comerciais.

Homens públicos continuarão financiando o freak show, colocando o capital em suas cuecas de grife – se possível até nas nádegas – tudo para fugir dos órgãos alfandegários e do coro popular os chamando de corruptos, mas não se preocupam realmente, pois o coro popular fica rouco em pouco tempo e mínimo.

Nada do que eu disser tocara por mais de cinco minutos sua consciente – a fugacidades matou o tempo dentro do século XXI.

Nada do que eu disser te fará feliz de verdade, porque não há felicidade, o que existe é o poder de compra e quem não o tem está fadado ao inferno na terra.

Não protestem mais doces crianças, não adianta tentar criar uma revolução nesse século, já que o sentido das revoluções morreu junto com a serventia dos filósofos.    

A fugacidade matou o tempo;
A fugacidade matou o século;
A fugacidade matou o degustar de um poema;
A fugacidade matou o mendigo que dormia enrolado em jornais de ontem;
A fugacidade matou o sentido de se ter por de sois.

Criança, nada do que eu disser tornara o mundo mais seguro para você.

Marcos Martins.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Tu




Tu



Se te contar como eu meu sinto te fizesse mais compassível comigo, abriria o verbo, gritaria tudo o que quero externar, mas deixo meus dizeres retraídos em meu peito. Doo-me de corpo e alma, mas esse doar não é recíproco como todos que amam almejam em seus cúmplices.

Mais uma vez só tenho a mim para me acalentar, só tenho a mim para reconfortar a cabeça e limpar as lágrimas que descem em límpidas cachoeiras pelas corredeiras de minhas pálpebras.   

Sou único, o último de minha espécie, um gramático sem palavras novas para ofertar a seus alunos. Sou só. 

Sou único, o último dos homens que sonha em compartilhar bem mais que prazeres carnais, e por isto mesmo vago só, sendo tocado por esta multidão que me toca, mas não me senti. Sou só.

Se te contar como mim sinto me fizesse mais vivo, hoje, desejaria morrer, por que sei que desistisses de mim, que desistisses do amor e das flores que um dia roubei para te presentear.


Marcos Martins.

sábado, 8 de março de 2014

Poema 85


Poema 85 


Sou o avesso do verso, o poeta sem nexo
Meu mundo é tão imenso, perturbador e complexo
Como meu pensar.

Eu sinto vocês sentem?
Eu sinto, mas não me sinto
Eu minto – sou tão feliz –
Me vejo  – sou tão mentiras –
Omito – sou todo, dúvidas –
Vomito.

Olho no espelho e vejo temor em meu reflexo sem alma, sem cor, sem dúvida, sem dor, o nada.

Eu quero ser reflexo com vida, poder sorrir, poder sentir o calor, o desabrochar, o perfume das flores mais lindas, mas ali trancado, meu reflexo está tão só. Só, porém feliz por ser eu a carregar a cruz de nossa vã existência.         


Marcos Martins.