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quarta-feira, 30 de abril de 2014

Mais um trechinho de meu livro "Lugar Nenhum - Paraíso Distópico"



Dormi naquela noite na casa de Ainá, foi bom poder ficar com alguém especial depois de tudo o que passei, não queria ficar só, não naquela noite. Minhas costas doíam bem na parte do corte, Ainá me deu um análgico, que não estava adiantando muito, pois sentia dor por dentro do corte, era uma dor estranha, uma dor misturada com abstinência por ter tirado aquela coisa de mim.
     
 – Vou ver se pego algo pra gente comer – disse Ainá e foi para a cozinha. 

Os pais de Ainá trabalhavam na área de saúde e comumente tiravam plantões à noite, sempre que isso acontecia nós aproveitávamos para dormir juntos.

– Estou com medo, Lázaro, acho que não é uma boa ideia você ficar com esse troço andando pra cima e pra baixo – falava se referindo a sonda. 

– Não temos o que temer, temos a bacia cheia de água com gelo e pedaços de lá de aço – falo apontando para uma bacia de alumínio que Ainá teimara em trazer para seu quarto. 

– Isso não é brincadeira, Lázaro, se algo te acontecer não sei o que será de mim – me reprende com lágrimas nos olhos.

Às vezes você sente que tem que fazer algo, por mais louco, bobo, estúpido que possa parecer – acho que essas vontades são tatuadas em nosso DNA. Estava me sentido igual ao alpinista Edmund Hillary, que ao conseguir escalar o Everest disse: "Nós vencemos o bastardo!". Eu tinha que fazer isso, tinha a consciência dos riscos, mas mais pessoas poderiam estar passando pelo mesmo que eu, outros já poderiam ter chegado ao estágio do senhor Gildo e ainda tinha a questão de meus pais, e se estivessem com eles, sei que parece loucura, mas... Não sei mais o que pensar, só sei que tenho que fazer algo. E em segredo torcia para que voltasse a me encontrar com aquelas luzes o mais rápido possível e assim poder descobrir tudo. 

– Sei que não é brincadeira, Ainá, eu tenho a total consciência de todos os perigos e vou entender se você quiser dar um tempo. 

– Que besteira é essa de dar um tempo, Lázaro?

– Não quero que você se machuque por minha causa.

– Estamos juntos nessa, você não vai se livrar de mim assim tão fácil – falou e me beijou.  

Afastei-a de mim deixando-à frente a frente comigo.

– Você não sabe o quanto é bom ouvir isso de você, mas tenho mais uma confissão para fazer e vou entender...

– Nem ouse terminar a frase – disso pondo o dedo indicador delicadamente em meus lábios, me silenciado para que não dissesse nada para tentar afasta-la de mim.

– E então você está pronta? – perguntei seriamente 

– Não, mas pode falar mesmo assim – respondeu com os olhos inseguros, mas ainda assim apaixonados. 

– O que eu vou te contar, nunca contei a ninguém, nem a meu Tio, ninguém. Eu nunca contei isso porque achava que tinha sido uma alucinação, um choque por causa do acidente, sei lá. – continuei – No dia do acidente que vitimou meus pais chovia muito, eu estava no banco de trás, sem sinto, de repente uma claridade tomou toda a pista num raio de 100 metros do nosso carro para à frente, não conseguíamos enxergar nada, então meu pai perdeu o controle do carro e capotamos; enquanto capotávamos fui jogado para fora do carro – acho que por isso sobrevivi – Eu vi Ainá, olhei pra cima e não era o céu, parecia alguma coisa de metal, mas definitivamente não era o céu, sei que era noite, também sei que eu era uma criança, mas quando fui arremessado um grande relâmpago rasgou os céus, foi então que vi que uma parte do céu faltava, sabe as instalações de um palco de teatro ou de TV, quando você olha para cima e a magia acaba, você vê todas aquelas cordas, holofotes, não vi cordas, nem holofotes, mas não era o céu em sua totalidade.

(...)

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Mais um trecho de meu livro Lugar Nenhum - Paraíso Distópico



O ar daquela casa me sufocava, não conseguia respirar, não conseguia raciocinar lá dentro, todo o ambiente me oprimia, me encarcerava.

– Lázaro! – grita Ainá tentando me fazer parar.

Não conseguia ouvi-la bem, mas pelo tom de sua voz sabia que ela queria que eu a esperasse, no entanto só me vinha à vontade de sair daquela casa, de sair de perto daquele homem bêbado que me fizera toda aquela confissão. À medida que tentava alcançar a porta ia ficando sem forças, mais e mais sufocado, já não conseguia enxergar bem, à vista estava turva e tudo começara a girar, lembro que cheguei a tocar com um dos dedos na maçaneta da porta, depois, escuridão.

Não sei quanto tempo fiquei desacordado, mas foi tempo suficiente para que o senhor Gildo ficasse mais sóbrio, ele me olhou de forma dócil, ergueu uma caneca com café quente e depois mudou o semblante, ficando austero.

– Você está bem garoto? – perguntou-me, acenei com a cabeça dando a entender que sim.

Ainá se aproximou de mim e me abraçou. Estávamos no quarto do Senhor Gildo, era um quarto simples, tinha uma cama de casal, que eu estava deitando, um criado mudo, um guarda-roupa sem portas, que deixava as poucas roupas que tinha a mostra, e muitas lãs de aço espalhadas pelo chão.  

– Onde estão os outros? – perguntei a Ainiá ainda convalescente.

– Espalhando mais lãs de aço e chapas de metais por toda a casa – respondeu o senhor Gildo se antecipando.

Podia sentir em sua voz que o esforço de Gabriel e dos outros era em vão, só não entendia o porquê dele deixa-los desprender toda aquela energia.

– Precisamos conversar filho – falou o homem pondo a caneta em cima do criado mudo.

– Sou todo ouvidos.

– Não na frente dela.

– O senhor me fala tudo agora, eu conto tudo a ela logo em seguida, então não percamos tempo.

– Tudo bem, mas acho que após ela me ouvir, não terá uma noite de sono tranquilo. – falou num tom ameaçador e ao mesmo tempo preocupado – Isso tudo é bem maior do que você pensa – continuou, – quando eles começam esse processo, só param quando tem aquilo o que querem.

– Com o senhor foi assim? – pergunto. 

A pergunta abala o velho homem que segura à mão esquerda, que começa a dar espasmos involuntários.

(...)

domingo, 20 de abril de 2014

Trecho de meu livro "Lugar Nenhum - Paraíso Distópico"



Lá estávamos nós três, bem enfrente a casa do homem que poderia por um fim a minha angústia, que poderia por fim aquela incógnita que me sufocava os sentidos, que me causava pavor.

– Porque você não nos disse que ele morava perto de tua casa – questionei Gabriel.

– Se eu tivesse dito você viria aqui sozinho e pelo o pouco que conheço o senhor Gildo, ele iria te escorraçar daqui feito um cão sarnento – continuou olhando para mim de forma serena – E você nunca me contou essas cosias ai que você sentia nem esse lance das luzes, nem nada... E o que ele tem a dizer é difícil de acreditar, por mais filmes de ficção cientifica que você tenha assistido, por isso nunca contei a vocês, para não ser tachado de ridículo.

Olho para Gabriel ainda mais intrigado – o que teria a ver minha situação com ficção cientifica? – Se tivesse que definir minha vida, definiria como um filme de terror como Poltergeists ou da forma como estávamos ali, parados enfrente a casa do senhor Gildo, com aquele poste do nosso lado esquerdo a nos iluminar, deixo tudo o que a luz não consegue tocar em uma penumbra melancolicamente perturbadora, diria que tudo estava conspirando para minha situação se assemelhar a um filme sobre exorcismo. 

Abrimos o portão, que rangeu como um lobo uivando para a lua, e entramos na casa do homem – pelo menos na primeira etapa que era o quintal ainda estávamos vivos, apesar do coração aflito. O quintal era bem peculiar – para não dizer estranho –, pois estava cheio de placas de metais espalhadas por todo o lugar. Uma grade pintada com uma tinta que já fora azul algum dia, mas que agora estava descascada nos impedia de chegarmos até a porta da frente, só que Gabriel já conhecia o homem e como chama-lo; esticou o braço e foi tateando pela parede até alcançar uma campainha que, assim que a sentiu entre os dedos, de pronto a tocou.

– Será que ele está em casa? – perguntou Ainá com as mãos juntas ao peito.
– Está sim, não ia me sacanear, ele mesmo estipulou esse horário da noite. Deve estar vindo nos atender logo.

Gabriel toca mais uma vez a campainha, mas notei que nós não conseguíamos ouvir som algum, minha esperança era que o senhor Gildo estivesse a ouvindo de dentro da casa, que ela estivesse sido instalada em algum cômodo que ele passasse mais tempo.

– Acho melhor irmos – disse Ainá visivelmente perturbar com a atmosfera do lugar.

– O filho da mãe me deu um bolo – disse Gabriel com um pouco de raiva em seu olhar.

– É melhor irmos – falei desconsolado, baixando os olhos.

Fomos dando meia volta, quando o som de trancas se abrindo irromperam o silêncio desconfortante que pairava no ar. A porta se abre e em nossa frente uma figura de estatura mediana, magra, de uma palidez que só vemos em doentes febris se apresenta; seu rosto, de formato hexagonal dava um tom exótico a sua aparência, que se acentuava devido a seus olhos tristes e profundos e um semblante de desesperança crescente que lhe acometia. O senhor Gildo estava no auge dos seus setenta e quadro anos, mas aparentava ter bem mais. O tempo parecia ter-lhe castigado mais que o normal. 

(...)
Marcos Martins.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Diálogos imprecisos



Diálogos imprecisos




Não chore por mim, no dia em que os peixes começarem a cair dos céus, pois todos os sonhos serão realizados neste dia fatídico para mim, que não costumo andar de guarda chuvas, mas tudo bem, no final dos contos de fadas todos vivem para sempre - adormecidamente e felizes -.


O que mais posso dizes, se tudo já foi dito, pensado, registrado em cartório e guardado em arquivos empoeirados. Tudo bem se os sinos tocam incessantemente e meus adjetivos só servem para empobrecer minha escrita tão peculiar e cheia de sentimentos sem sentido.

Os dragões continuam a voar por entre mim, por entre a terra, mas tudo ok, não sou tão bom em contar histórias mesmo.

Queria poder dizer tudo o que penso tudo o que sinto, mas temos regras de conduta, até em nossa democracia. Somos todos livres, mesmo se o ar está cada dia mais seco e preciso de soro para refrescar as narinas.

Tudo bem, vá enfrente, siga a luz, pois esse túnel nunca me levou a nada, mas você é melhor que minha pessoa e, suas pernas são bem mais atléticas que as minhas.

Tudo bem. Continuarei a escrever para o vento e tentando ser entendido neste mundo de sábios, hipocritamente felizes.




Marcos Martins.