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quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Ônus (conto)



Ônus


  
Flashes e mais flashes eternizavam, de uma forma mórbida, a garota deita, seminua, em um matagal afastado do centro. Ela sonhava em ser modelo e agora estava morta.

Sofia tinha 16 anos, mas nunca havia votado em eleições municipais ou nacionais. Não teve tempo. A mãe olhava, sem acreditar em seus olhos, a menina que carregara no ventre um dia ser motivo de curiosidade de populares e alimento para os vermes implacáveis. Três policiais tentavam segurar o pai que estava fora de sua sanidade. Os filhos não deveriam viver menos que os pais.

O destino, ou seja, lá que nome tente dar a atrocidades, inverteu a ordem das coisas. Mas uma vez as pessoas se sentiriam inseguras, comovidas e indignadas, mas o mundo continuaria seguindo sem se importar. A comoção tomou conta de mães, pais e filhos que choraram abraçados com perca daquela família, que até bem pouco tempo atrás não sabiam que existia. Somos solidários na dor.

As investigações tiveram início. Crime passional, por motivo fútil, concluíram. O algoz, o namorado da menina, um jovem de 18 anos que não aceitava o fim da relação. No decorrer das investigações, os jornais televisivos mostraram filmagens do assassino executando a vítima. Tudo aconteceu em frente a um posto de gasolina, em mais uma madrugada manchada por sangue de inocentes. A lua cheia presenciou tudo, mas nada pode fazer.

O rapaz foi preso, mas como não foi pego em flagrante responderia o processo em liberdade. Os pais de Sofia sentiram-se sem chão. Não é fácil perder a fé. Os pais, como forma de repúdio e descrença absoluta nas leis, apelaram para que o Estado deixasse de mão a investigação, até chegaram a pedir desculpas aos policiais que se empenharam na elucidação do crime. Se ao menos a lei não fosse cega, Sofia não teria sido ceifada de seu mundo.

Em carta aberta à mãe desabafou em rede nacional, falou que não acreditava na justiça, que não perdoava o assassino de sua filha, no entanto não queria que fizessem justiça com as próprias mãos, pelo contrário, gostaria que o rapaz permanecesse vivo para que todos os juristas, políticos, homens e mulheres que mandam no país sentissem vergonha do código penal e que, ao cruzarem com o assassino de sua filha, pudessem refletir por um só momento que à violência não escolhe: posição social, etnia, credo, faixa etária ou opção sexual e que os assassinos, e ladrões poderiam até estarem acima da lei, mas que ninguém é imune ao efeito devastador da violência.


Marcos Martins.

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