Ressaca da Black
Friday
Recife, 28 de novembro de 2015
– Bom dia.
– Bom dia.
– Eu queria saber o preço do último livro do
Mutarelli, eu não sei o nome, mas se você me mostrar à capa eu sei.
– M-u-t-ar-e-l-e.
– Não é assim que se digita é com dois l e um i.
– M-u-t-a-r-e-l-l-i. Assim?
– Isso.
– É esse aí, O Grifo de Abdera?
– O senhor vai querer?
– Vou sim.
– Deixa eu ver aqui.
Assim fomos para a seção de literatura nacional.
– Como é mesmo o nome do livro – perguntou a
vendedora, sempre solícita.
– O Grifo de alguma coisa, deixa eu vê lá no computador
e volto pra te dizer – disse e fui quase correndo.
Mutarelli coloca cada nome doido nos livros dele,
pensei.
– O grifo de Abdera – falei voltando rapidamente.
– Ele é escritor regional?
– Não, ele é paulista e fuma.
Tentei ser engraçado. Não surtiu efeito.
– Não estou achando. O senhor não quer outro livro?
Temos ali a seção dos mais vendidos, só tem best seller.
– Não, obrigado, vou ficar com o fumante mesmo. Ele é
o cara que escreveu o livro “O cheiro do Ralo”, que virou filme com aquele ator
que dublava a voz do Charlie Brown, do desenho do Snoopy – eu acho que era ele.
O cheiro do Ralo é aquele filme que o cara chora abraçado a uma bunda de
mulher.
– Nunca vi.
– Ele é escritor regional?
– Não, é paulista e escrevia HQ’s, e gosta de gatos.
Eu não gosto.
Pensei em dizer que não queria mais o livro, que iria mudar
a compra e dizer o título de um de meus livros que foi rejeitado por todas as editoras
do mundo. Mas ela estava tão empenhada. Seria maldade. Pura maldade.
– O senhor não quer outro livro, têm uns bons ali na
seção dos mais vendidos.
– Só tem best seller?
– Sim.
– Quero não. Quero o último do Mutarelli.
– Deixa eu ver aqui.
A vendedora abriu uma portinha onde estavam vários
livros, era um tipo de estoque, como se fosse à parte de baixo de um guarda-roupa,
só que ao invés de roupas intimas havia vários livros. E lá estava ele, O grifo
de Abdera, soterrado por três livros.
– É esse?
– Deixa eu ver a capa. É sim.
Ela me deu o livro e fui pagar no caixa, mas a vontade
que tive mesmo, e nem sei o porquê, foi de sair correndo, sem pagar porra
nenhuma.
Do jeito que o Mutarelli é tímido, acho que aquele
lugar escondido onde estava seu livro era o lugar mais confortável para ele
estar, pensei e fui pro caixa, torcendo pra que meu cartão não tivesse com o
limite estourado.
Marcos Martins.
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