No lixo
Por entre sacos rasgados, mau cheiro, podridão, há vida que luta por um espaço dentro do buraco da dignidade.
Restos de comidas são garimpados em meio à esperança de não estarem totalmente estragadas, como se isto fizesse diferença ao estomago. O ronco do estomago, sempre presente, confirma que o que menos importa é o paladar.
Cachorros lutando por espaço, ratos sempre presente, cães lutando por comida, ratos devorando o que se pode ou não mastigar.
Um campo aberto, espaços sempre presentes; por entre as janelas de um coletivo, vejo condições de cárcere ao ar livre, miséria e morte; desonra e humilhação, presentes se banqueteando.
Vi três anjos revirando o lixo, três anjos meninas a desbravarem sacos fétidos, buscando matar a fome, a dor. Senti-me impotente. Apenas olhei. Apenas olhei e pensei que o número três era enigmático. Três anjos sem asas, três inocentes crianças a se misturarem ao lixo, a se alimentarem de lixo. Mãos curiosas, olhos sem vida, momentos felizes por acharem restos que um dia se chamou – comida –.
Ao passar, de longe, pude ver fragmentos de uma vida sem vida. Com meus olhos pude censurar e indignar-me com a situação e, continuar ausente, com um sentimento de culpa que morreu com o mudar da paisagem.
Vi três anjos na imundice e com o distanciar de minhas têmporas, não mais distinguia o que era gente, o que era bicho, o que era inocência, o que era lixo.
Marcos Martins.
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