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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Feliz ano morto





Feliz ano morto


Ouço na porta o cântico da realidade - Um coral que canta desafinado todas minhas frustrações do ano que está prestes a morrer. (Afinados são meus infortúnios).

Gostava mais dos anos dos dentes de leite, pois não me pegava em falecidos sentimentos. O único enterro que quis ir foi o que não pude segurar na alça do caixão.

Porque as feridas sempre se abrem um dia antes da morte do ano velho? Essas feridas que me moldaram ao longo dos tempos opacos, por vezes coloridos, esperançosos e confusos.

Imagens circulam aqui e acolá, me enchem, esvaziam-me, acolhem e beijão minhas lágrimas.

Meu corpo continua preso e sou tão consciente disso que sei que não adianta - por mais que sonhe nunca poderei voar com essas asas atrofiadas, que nasceram em minhas costas curvadas. (O nunca é malvadamente infinito).

Gostaria de ter uma agenda lotada para não ter que saldar a morte do ano velho que pari as duras penas – sem anestésicos –, o novo que chega com sua esperança, insuportavelmente, inocente. O novo. Com velhos lobos e novos figurantes, uns não tão novos assim.

Fico em teu velório, meu velho amigo, até o último minuto, até o último segundo em que você povoa a terra. No entanto, não vou segurar tua mão úmida e engelhada, nem corrigir as imperfeições das flores colocadas às presas em teu caixão. Lá fora, gritam por um nome que não é o teu, o teu já se esqueceram de pronunciar.

Feliz ano morto, vida nova;
Feliz ano morto, minha cara alma;
Feliz ano morto, minha fé flácida;
Feliz ano morto, todas as promessas que nunca vou cumprir;
Feliz ano morto, para todos que nesse dia sofrem por ainda estarem cheios de lembranças geriátricas, que lutam para se manterem, inutilmente, vivas antes da meia noite, porém, irão se perder nos labirintos de um corpo novo, de um ano novo, de uma vida esperançosamente confusa.


Marcos Martins.

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