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sábado, 13 de setembro de 2014

O DIA EM QUE O RECIFE AFUNDOU (conto)


O DIA EM QUE O RECIFE AFUNDOU


Desde menino Henrique tinha dois sonhos e um trauma: queria ser astronauta, era o primeiro sonho; destruir todas as pontes da cidade do Recife, o segundo; ter que atravessar as temidas pontes da Veneza brasileira todo santo dia era seu trauma. 

Quando menino, caíra da ponte da Boa vista e quase morrera afogado nas águas escuras do Rio Capibaribe. Ele tinha 7 anos na época e hoje, passados 23 anos, o pobre homem nunca conseguira esquecer a sensação de afogamento e o gosto que o rio deixou em sua garganta.

Sempre que passava por alguma das pontes do Recife suas mãos gelavam, sentia tontura e náusea. Chegou há levar 20 minutos na travessia de uma das pontes, causando um congestionamento. Certa vez chegou a travar no meio da ponte Maurício de Nassau e ficou agarrado a estatua do poeta Joaquim Cardozo por horas, só saiu de lá com a ajuda do corpo de bombeiros, depois de uma exaustiva negociação. Virou notícia nesse dia e por algumas semanas era reconhecido por onde passava.

Fosse a pé, de carro ou ônibus, não tinha importância, ter que cruzar qualquer uma das 49 pontes da cidade era um martírio. À medida que Henrique crescia, também crescia a vontade de explodir todas as pontes da capital pernambucana, pois dentro de sua cabeça, o que sustentava o Recife eram as pontes, sem ela toda a cidade afundaria. Mas explodir 49 pontes não é era coisa fácil de se fazer, então teve uma ideia brilhante, em seus devaneios acordado. Estudou a arquitetura do Recife e chegou a conclusão de que teria que destruir 12, das 49 pontes que tanto embelezavam sua cidade, que todo o Recife afundaria, pois as 37 restantes não aguentariam o peso da metrópole e sua agonia teria fim.

Henrique estudou por 5 anos quais pontes, de fato, sustentavam a cidade e concluiu que eram as: Princesa Isabel; 06 de Março; Duarte Coelho; Limoeiro; Boa Vista; Maurício de Nassau; Buarque de Macedo e a 12 de Setembro. Essas seriam os pilares de sustentação do Recife e se fossem postas a baixo, toda a cidade sucumbiria.

Conseguiu comprar dinamite, de uma forma que seria melhor ninguém ficar sabendo para não se complicar, pois existem coisas que não se deve ser explicada, como por exemplo: receita de bolo, doação para campanha eleitora ou verba de gabinete. 

Comprou alguns detonadores a controle remoto na internet alimentados por bateria de celular (hoje pode se construir um acelerador de partículas com material comprado em sites de compra on-line). Fez alguns testes no quintal de sua casa soltando rojões para ter a certeza de que que tudo daria certo (um louco prevenido por dois vale por um são). Ao soltar os rojões a criançada da rua ia ao delírio, Henrique só visualizava as pontes indo a baixo e sorria de forma aliviada.

Planejou tudo de forma metódica, esperou por um feriadão, para ter a certeza de que toda a cidade estaria vazia. Utilizou um barco para navegar pelo Capibaribe, para não levantar suspeita, e aproveitando um feriado que caia numa segunda-feira pôs o plano em prática. Durante dois dias conseguiu instalar dinamite em todas as 12 pontes que escolhera. Foram dois dias acordado a base de energéticos para dar conta de tudo.

Logo após colocar todos os explosivos, foi para o topo do prédio JK, dessa forma tinha a certeza de que teria uma visão privilegiada e assim poderia contemplar a concretização de sua façanha.

- Recife, eu te amo! – gritou do alto do prédio de forma sádica.

Esperou o sol nascer, porque queria que o astro rei presencia-se sua façanha. O Recife acordava de forma sonolenta, os ônibus ainda não iniciavam seus percursos, passando lotados de gente enlatada, não se ouvia o som de motores, nem a fumaça de canos de escapes dos automóveis que nos matando de forma silenciosa. Ele estava emocionado, suspirou e acionou os detonadores... Sentiu um silêncio dentro de si e então o som das explosões. Ao detonar os explosivos sentiu que todo o Recife pode ouvir o som, como se trombetas celestiais anunciassem o novo e uma lágrima se fez nascer.

Uma a uma as pontes foram postas a baixo. Então tudo se acalmou. Mas foi passageiro, pois estalos secos irromperem a paz falaciosa e toda a cidade começou a afundar. Henrique chorou no topo do JK quando viu o cinema São Luiz emergindo, a lama começando a tomar conta de tudo, a se misturar as ruas, vielas, cada canto - do Beco da fome ao Marco Zero.

Enquanto o Recife sucumbia, lembrou que havia deixado um barco, para a sua locomoção, ancorado ao pé da ponte da Boa vista, onde tudo havia começado, onde sua vida havia ganhado um propósito e agora não mais existia barco, pontes, Recife, propósito algum. 


Marcos Martins.

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