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segunda-feira, 15 de julho de 2013

Trecho de meu livro, que já venho publicando em meu blog. (ainda escrevendo o danadinho)


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O sol já despontava menos tímido, pessoas começavam a circular com mais frequência e frenéticas passam umas pelas outras sem dar bom dia, sem se olharem nos olhos - quem se importa com estranhos que não estão nos programas dominicais? Carlos segue para a próxima parada de ônibus – “Ser pobre é uma merda”, pensa. Ao chegar à parada, vê algumas crianças cheirando cola - o cartão postal que topo político gostaria de por em baixo do tapete persa - ele fica entretido com a felicidade entorpecida dos garotos de rua e sente uma ponta de inveja, não sabe o porquê, mas se sente um inveja dessa liberdade, por mais faminta e entorpecida que possa ser. Eles podem voar e Carlos preso ao chão, preso a sua vida insípida. 

O ônibus chega, ele sobe, não há lugar para se sentar, vai em pé toda a viagem, mas não acha ruim, dessa forma pode apreciar a vista, as formas, o concreto, o asfalto cheio de emendas mal feitas, os não lugares e pessoas que passam, passam e passam sempre apresadas, quanto a ele, não há pressa, a menos que sua mãe comece a cheirar mal, mas ela está bem guardada, levará algum tempo até quererem enterra-la como indigente. A vontade de estar se dirigindo a outro lugar o toma e um calafrio aponta em suas costas. “Não consigo imaginar como ela está”, diz para si. Não consegue chorar, talvez seja o ônibus, talvez seja a poluição ou um vírus que os países europeus tenham lançado na América Latina, quem vai saber dessas coisas, no entanto, sabe que gostaria de estar sonhando, mas sonhar tem sido cada vez menos permito. 

O ônibus corta a cidade, pessoas sobem, descem, voltam a subir em outros coletivos - nossas vidas passam - e por vezes os motoristas queimam as paradas, então você é privado de descer, de subir, de viver, mas nunca de morrer. Felizes são os que morrem velhos, já lhe disseram várias vezes, mas Carlos não vê vantagens em envelhecer, os velhos só são respeitados por financeiras e essas não têm coração. Envelhecer foi o castigo de Deus para com a maldade humana, era nisso que Carlos acreditava, mas ele amava sua mãe, não a tratava mal, ele amava sua coroa, como a chamava carinhosamente em segredo, apesar de todo o distanciamento. 

O câncer em sua mãe não havia devorado apenas seus órgãos, também devorava Carlos, e Carlos que sonhava em ser vegetariano sabia que, assim como o câncer, não podia voltar e concertar os copos quebrados. A verdade era que sua mãe havia morrido e seu único filho tinha desaprendido a chorar em alguma parte de sua existência.

(...)

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