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quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

NÃO MAIS SENTIA O MUNDO


NÃO MAIS SENTIA O MUNDO


Hoje encontrei um homem sem vida na imundície da praça. Era um homem incompleto, não mais tinha vida, não mais tinha alma. Não mais tinha culpa, não mais tinha nada. Mas mesmo assim sorria e parecia saber das coisas bem mais que eu, que sou homem letrado.

Hoje encontrei esse homem, de semblante suave, olhar cativante, daqueles olhares que revelam uma sabedoria quase mística, mas sou homem letrado e não acredito no místico, porém, mesmo assim algo ascendeu.

Aquele homem andava de forma graciosa, quase flutuava, era mais mavioso que Odette – que fora enfeitiçada. Podia sentir que ele não mais sentia o mundo em suas costas. Era livre. Era sujo. Era limpo. Era livre.

Hoje encontrei um homem sem vida moderna, sem vida imposta, sem gadgets. Tudo parecia perfeito nesse dia memorável: pombos comiam pipocas deixadas no chão; casais andavam enamorados; crianças sorriam; velhos não mais choravam de solidão. E então dei por conta que apenas eu via o homem na imundície da praça; apenas eu via aquele homem sem medo de pisar descalço no chão; apenas eu via o belo embaixo daquelas roupas sujas (barba por fazer há dias); apenas eu começava a sentir a liberdade que ele sentia (mesmo com o mundo ainda em minhas costas); apenas eu me via sujo de fora da imundice da praça; apenas eu, ninguém mais me via, ninguém mais sentia.


Marcos Martins.

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